Inexorável

segunda-feira, fevereiro 07, 2005

Poucas reformas algumas revoluções

Parte da entrevista com Rui Ramos
Nos Últimos Dois Séculos Fizemos "Muito Poucas Reformas mas Houve Algumas Revoluções"
Por JOSÉ MANUEL FERNANDES (PÚBLICO) E GRAÇA FRANCO (RÁDIO RENASCENÇA)
Historiador com um doutoramento em ciência política, Rui Ramos olha para a crise que vivemos através do prisma da nossa experiência como país nos últimos dois séculos, o período que melhor estudou. Vê na crise actual sinais de crises antigas, repetitivas e cíclicas, mas encontra no Portugal contemporâneo a chave que antes nunca testou: viver em democracia, com governos escolhidos pacificamente por um sufrágio universal que ninguém contesta.
Os historiadores na perspectiva de Rui Ramos, investigador no Instituto de Ciências Sociais depois de ter regressado de Oxford, conseguem "explicar muitas coisas, mas prever poucas". Mais: "Nada melhor do que a narrativa histórica para transmitir um sentimento de prudência e responsabilidade aos cidadãos a quem, numa democracia, se pede que tomem partido nos debates públicos".
- Aonde é que, olhando para a história dos últimos dois séculos, podemos tirar lições para a escolha de 20 de Fevereiro?
R. - A História pode informar as nossas escolhas, o nosso voto, mas não nos determina: informa-nos. Ajuda-nos a perceber responsabilidades quando em cada momento fazemos opções. P.
- E, do seu ponto de vista, a nossa experiência histórica ajuda-nos a olhar com optimismo ou com pessimismo para a actual crise?
R. - Depende de como entendermos optimismo ou pessimismo. Se pensarmos que alguns dos problemas que nos atormentam não eram estranhos aos nossos antepassados há 100 anos, isso pode deixar-nos pessimistas se pensarmos que não ultrapassámos esses problemas ou optimistas se pensarmos que tínhamos esses problemas há 100 anos e ainda cá estamos. P.
- O que é muito clássico em Portugal: habituamo-nos a viver com os problemas. Só que entretanto, por causa deles, nos vamos afastando da Europa, vamos ficando para trás. É uma ideia de decadência que foi muito forte no final do século XIX e agora parece regressar em força...
R. - No século XIX criou-se de facto essa sensação e as estatísticas confirmam-na: ficámos mesmo para trás. Mas quando olhamos para a segunda metade do século XX, aconteceu o inverso: aproximámo-nos. Ora o que hoje sucede é que mesmo essa comparação com a Europa Ocidental - e é dela que falamos - está a começar a não ser positiva porque essa própria Europa cresce menos. Podemos começar a sentir que estamos numa parte do Mundo que já não tem o dinamismo que teve no passado. P.
- Não é só isso. Quando, por exemplo, relemos "As Farpas" encontramos lá as mesmas queixas de clientelismo, de centralismo, de défice público, da necessidade de reformas. É como se um mesmo discurso recorrente, circular, nos prendesse. Será que só fazemos reformas por rupturas, depois de revoluções ou golpes de Estado?
R. - Essa é talvez a grande questão que nos levanta a história dos últimos 200 anos. Em Portugal houve muito poucas reformas mas houve algumas revoluções. A tendência tem sido para os que governam o país serem relativamente claros em relação ao que está mal e incapazes de fazerem alguma coisa acerca disso. Basta ler as actas do Parlamento de há 100 anos que encontramos lá problemas como o défice, a fuga aos impostos, quase tudo de que hoje falamos, e ao mesmo tempo a incapacidade de mudar. P.
- Houve quem tentasse, mas de uma forma às vezes autoritária. Não foi esse o caso de João Franco, o último chefe de Governo com o rei D. Carlos, sobre o qual publicou um livro em que o trata melhor do que é habitual?
R. - Ele governou entre 1906 e 1908 e a sua experiência acabou muito mal, com a morte do Rei e o exílio. Agora ele identificava-se com uma tradição reformista e o que se passava era que os reformistas tinham muita dificuldade em obter um mandato que lhes permitisse reformar o Estado impondo-se ao resto da classe política. Para além disso a classe política, mesmo concordando nos diagnósticos, entregava-se sempre à chicana que impedia o adversário de governar. P.
- Era só a chicana política, ou havia também interesses que bloqueavam a acção política?
R. - A relação entre os interesses e a política é um jogo de espelhos. Os interesses não deixam os políticos fazer o que querem, e por outro lado os interesses não se desenvolvem porque os políticos não lhes dão liberdade. Isso é recorrente, sendo que as rupturas, as reformas, ou vêm do lado dos políticos ou é muito difícil virem do lado dos interesses. P.
- Falta um projecto colectivo, como diz José Gil?
R. - Não: faltam vários projectos colectivos alternativos. Isso é outra coisa que tem bloqueado a sociedade portuguesa: a ideia de que temos de caminhar todos no mesmo sentido e ter um consenso em relação aos fins. Nós somos uma sociedade polarizada há 200 anos, não deixámos de ser agora. Temos de ter vários projectos políticos que, respeitando o sistema representativo, devem poder governar sem a outra parte temer que nessa altura desaparece. Para pegar na ideia do medo de existir do José Gil, o que diria é que temos de perder o medo de existir politicamente, em confronto com ideias alternativas.
posted by Manuel dos Reis at 10:48

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