Inexorável

quinta-feira, março 13, 2008

O Ultimato dos Prazos e dos Parâmetros

Com cem mil professores nas ruas de Lisboa lembrei-me instintivamente das senhoras de Lisboa que durante o Ultimato Inglês fizeram uma colecta de jóias para comprar um navio de guerra para fazer frente à maior armada do mundo, a Inglesa.
Nós por cá temos destas coisas, uns estranhos epifenómenos, que nada acrescentam, que nada mudam mas que nem por isso deixam de ser acontecimentos fantásticos. O Partido Socialista prometeu uma escola a tempo inteiro e uma maior permanência dos professores na escola, o Governo aceitou o Relatório Constâncio onde os docentes do ensino não superior são o único grupo profissional mencionado no capitulo das despesas, o Governo alterou para pior o Estatuto da Carreira Docente e o Estatuto do Aluno, o Governo já anunciou que todos os professores estarão a trabalhar na escola das nove às dezassete e trinta, o Governo já aprovou um novo modelo de gestão que retira capacidade de intervenção dos professores na vida da escola, o Governo conseguiu congelar por uma legislatura inteira os ordenados dos professores mas eis que infâmia das infâmias o Governo ousou exigir um curto prazo para a avaliação dos professores e lançou alguns parâmetros menos dignos nessa avaliação. Por prazos e parâmetros cem mil professores saíram à rua.
Dirão que foi a gota que fez transbordar o copo, talvez, mas objectivamente a manifestação do cem mil não tem servido mais nada do que para discutir a alteração dos prazos e dos parâmetros. Por causa de prazos e parâmetros cem mil saíram à rua de peito feito, corajosos e imparáveis, de peito feito disparam em todas as direcções, ameaçam levar tudo e todos à barra do tribunal e prometem desobedecer a tudo aquilo que o Ministério da Educação mande fazer se não estiver de acordo com o entendimento dos professores, seja lá o que isso for. Anda tudo muito zangado e frustrado, pessoalmente eu não, fiquei zangado e frustrado quando o Partido Socialista ganhou com aquelas promessas para a educação, curiosamente essa foi precisamente a altura em que os meus colegas andavam mais felizes, finalmente o país tinha um governo socialista com maioria absoluta, agora já me passou a zanga e a frustração e procuro levar o meu barco da forma mais tranquila possível até que venha uma nova maré. Bem estranha Maria de Lurdes Rodrigues a atitude dos professores pois como ela diz, não está mais do que a cumprir o programa que foi sufragado pela maioria dos eleitores, professores incluídos.
A manifestação dos cem mil não deixa de por si só, e não tanto pelos seus efeitos que são praticamente irrisórios, de ser um acontecimento histórico, quer a nível nacional quer mesmo a nível mundial, cem mil pessoas de uma determinada classe profissional, e aqui não é indiferente tratarem-se de professores, numa manifestação é muita gente, até na China e lá eles são muito mais.
Tenho para mim que este é um marco ao nível das mentalidades. Há uma forte convicção na sociedade portuguesa de que se um qualquer grupo em uníssono se opuser ou apoiar uma qualquer politica que a sua pretensão será satisfeita. Esta é a convicção, convicção que ainda perdura entre os professores, dentro em breve esta convicção será desfeita e mesmo que os prazos e parâmetros venham a ser alterados, o que duvido, a essência das políticas serão as mesmas, assim sendo para que serviu esta manifestação?
Se agora há a zanga e a frustração a seguir virá a depressão, a resignação e a descrença. É aqui que eu julgo que em termos de mentalidade que esta manifestação será um marco na evolução das mentalidades. As mentalidades é dos processos sociais que mais lentamente evolui, a manifestação dos cem mil não muda nada, pode acelerar mas essencialmente não passa de uma referência nesse mesmo processo.
Há uma crescente desconfiança em relação ao sistema político-constitucional vigente em Portugal, algo que se poderá extrapolar para outros países mas não é esse o objectivo agora pois teriam de ser consideradas outras variáveis, que se traduz no lugar comum quando se diz que não se confia nos políticos. Essa desconfiança acentuou-se de forma irreversível em muitos casos ou até na maioria. Habituados a que estamos a que pensem por nós, primeiro o Estado Novo depois os partidos da esquerda que religiosamente nos forneciam o que dizer e pensar, vivemos praticamente todo o século XX num regime de unanimismo intelectual e mental. Agora encurralados entre a nossa mente formatada e as nossas necessidades teremos de tomar uma decisão, uma decisão em que tenhamos de pensar por nós mesmos, onde tenhamos de ser nós mesmos a construir e a descobrir o caminho e a verdade, a tomar opções conscientes que sendo conscientes serão sempre dolorosas. Como disse Platão sair da caverna e enfrentar a luz do Sol é sempre doloroso para os olhos que nunca viram a luz.
É claro que para uma mente formatada pensar por si mesmo é um processo difícil e de imediato tentará encontrar soluções menos cansativas, que exijam menos reflexão. Alguns ainda aguardam que eventualmente Sócrates não seja de novo candidato e aí tranquilos da vida lá votarão de novo no Partido Socialista, pois já não está lá Sócrates, outros mais confusos, sem saber o que pensar, não irão votar e outros ainda dependentes de informação alheia para saberem o que dizerem e pensar irão votar no PCP e principalmente no BE. Naturalmente que excluo desta equação o PSD e o CDS, estas mentes estão formatadas de tal forma que o voto nestes partidos não depende de esclarecimento mas de uma geração capaz de pensar por si mesmo.
Tenho para mim que a prazo iremos assistir à italianização da política portuguesa onde nem PSD nem PS conseguirão formar governo maioritário com menos de três partidos, a não ser um com o outro, algo que a acontecer só durará até ao primeiro congresso nacional de qualquer um daqueles partidos. Agora venha o diabo e escolha a coligação: PS/PCP/BE; PSD/CDS/PCP; PS/BE/CDS;...
É aqui que reside a mudança de mentalidade, na profunda indiferença em relação às soluções que os partidos encontrarem para governarem Portugal, aquele sentimento que ainda existia da necessidade de haver um governo estável e duradouro irá perder-se e o cidadão deixará de se sentir responsável pelo bom ou mau caminho que o seu país leve. Há uma efectiva perda de cidadania porque há também uma efectiva perda de liberdade, a liberdade que o cidadão sentia ao ser responsável pela existência de bons ou maus governos.
posted by Manuel dos Reis at 13:42

1 Comments:

Todos os trabalhadores devem ser remunerados pelo seu trabalho, por não existir este respeito por parte das entidades/instituições, que ficam meses e meses sem pagar aos que leccionam AEC'S, venho pedir a vossa ajuda, união e compreensão para mudar esta situação.

Só pedimos que assinem, não custa nada.


http://www.peticaopublica.com/?pi=P2010N1889

9:33 da tarde  

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